Dicionários dão como hipotética esta origem de "roçar"; do Latim "ruptiare", proveniente de "ruptus", particípio passado de "rumpere" ("dilacerar", "arrancar", "rasgar", "abrir", "varar"). Todas essas acepções cabem na interpretação de "Gosto de sentir a minha língua roçar a língua de Luis de Camões". A "língua de Camões" nos remete ao português de Portugal. Se "roçar" vem de "rumpere", tem a mesma origem de "romper". O roçar de que fala Caetano inclui, portanto, a ideia de ruptura, inevitável num caso como o da relação do português de Portugal com o português do Brasil. Ao fim e ao cabo, a nossa língua realmente "roça" a língua de Camões: é e não é essa língua, fez-se e faz-se dela e nela, é-lhe fiel e trai-a, roça suas pernas nas dela e (às vezes) copula com ela...
Em antológico texto, Fernando Pessoa afirma que Portugal poderia desaparecer, desde que a língua sobrevivesse ("Minha pátria é a língua portuguesa"). Em clara referência a Pessoa, Caetano declara seu amor à língua e convoca a Mangueira ("Fala, Mangueira!"), prova viva do que afirma na passagem "Flor de Lácio, Sambódromo". "Flor do Lácio" é alusão ao poema Língua Portuguesa, de Bilac ("Última flor do Lácio, inculta e bela..."), Lácio é o nome português do Latium, região de Roma. A Língua do Latium é o Latim. Por ser a mais jovem das neolatinas, o português é a "última flor do Lácio". "Sambódromo" é a palavra do português brasileiro, mas é o encontro de um elemento africano ("Samba") com um grego ("dromo"). Está explicado o trajeto!
Ao ir de Roma ao Rio em apenas uma linha, Caetano viaja por dois mil anos e mostra o que quer, o que pode essa língua, espelho vivo de um país que são muitos, mas é um, ou é um, mas são muitos. Viva a língua portuguesa!
Texto de Pasquale Cipro NetoFonte: Revista Almanaque Brasil da Cultura Popular. Ano 2004
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